Giselle Ramos e
Michelli D’Avila
[Giselle] Eu sou Giselle, tenho 39 anos, nasci na Rocinha, morei lá até quase os 30 anos e moro aqui no Estácio, há 10 anos. Eu sou sagitariana, graças a Deus, com ascendente sagitário.
[Michelli] Eu sou a Michelli, tenho 32 anos. Sou bem mais nova, né? Nasci e moro em Realengo até hoje, então, sou cria de Realengo. Sou geminiana, mas com um espírito de taurina. Eu sou do primeiro dia de gêmeos. Então, ainda tenho minhas dúvidas se eu sou realmente geminiana, porque, como vocês podem ver, eu falo bem pouco e o geminiano costuma falar bastante.
Como vocês se conheceram?
[Giselle] No Tinder. (risos) Na verdade, eu tinha visto a Michelli, quando eu fui num samba, logo depois da pandemia, quando flexibilizou. Aí, teve o primeiro Samba Que Elas Querem, ali no Santo Cristo. Eu fui com uma amiga e eu vi que ela tava bem de frente pro palco. Vi, mas sem maldade. No dia seguinte, entrei no Tinder e vi: “Ih, a garota do samba”, e dei like. (risos)
[Michelli] E me mandou uma mensagem: “Você tava no samba ontem?” Eu falei: “meu Deus, uma stalker.” (risos). E morando em Realengo, seria difícil a gente dar match.
[Giselle] Nunca iria dar, pela distância.
[Michelli] Então, foi o samba que nos uniu.
[Giselle] Sim! E um tempo depois, eu fui olhando no meu celular os vídeos que eu fiz desse samba e ela saiu no vídeo, porque ela tava de frente pro palco quando eu tava filmando. Aí, apareceu.
[Julia] A gente ia perguntar justamente… Quem levou quem pro samba? Vocês fazem parte de um bloco juntas, não é?
[Michelli] Isso, fazemos. Agora, o nosso maior rolê é ir pro samba e a percussão acabou acontecendo.
[Giselle] Na verdade, eu sempre quis tocar um instrumento. E aí, foi a oportunidade da gente poder fazer uma coisa diferente, aprender uma coisa nova. A gente se inscreveu pra oficina.
[Michelli] Eu sempre quis, mas sempre foi uma coisa muito distante e cara pra mim. Aí, apareceu a oportunidade do movimento, eu me inscrevi e falei pra ela se inscrever e a gente foi chamada pra participar.
[Julia] É um hobby que vocês compartilham, né?
[Giselle] É verdade. Porque é horrível quando a pessoa não gosta da mesma coisa que você curte, né? É chato. Uma pessoa vai ter que ceder, uma hora, e fazer algo porque a outra gosta e vai ser uma troca. Então, quando gosta da mesma coisa, acho legal.
[Karol] Então, foi você, Michelli, que viu a inscrição?
[Michelli] Isso! E eu passei pra ela e coloquei um despertadorzinho no celular pra lembrar de fazer. (risos)
[Giselle] E ainda bem que eu fiz, porque a maioria das coisas que ela me manda eu não faço.
Como é a relação com a família de vocês?
[Giselle] Falando da minha parte, a gente tava se conhecendo ainda e minha família resolveu fazer um churrasco, do nada, e ela tava aqui em casa. Aí, eu não ia falar pra ela ir pra casa dela, enquanto eu ia pra minha mãe… (risos) Eu falei: “Vamos lá pra casa da minha mãe.” E fomos, aí a gente fez o churrasco e foi uma festa. Minha mãe sempre recebeu todo mundo muito bem, não tive problema nenhum com a minha família. Digo, com mãe e irmãos. Agora, parente, eu nem ligo. Mas, diretamente, pra mim, nunca ninguém falou nada. A minha mãe, outro dia, veio falar que ela ouviu coisas de parentes. Eu acho que o problema é deles, porque o que importa para mim é quem tá aqui comigo todos os dias. Nesse dia do churrasco, nós fomos, choveu, todo mundo tomou banho de chuva. Foi super divertido. Era dia de verão, final ou começo do ano e, do nada, caiu uma chuva. Aí, ficamos na chuva mesmo.
[Michelli] Sim, tomamos banho de mangueira também. Foi bem divertido!
[Giselle] A Michelli tava sem ir lá para casa há um tempo e minha mãe ficou perguntando: “tá tudo bem? A Michelli tá com raiva de mim?” A minha mãe fala muita besteira e, zuando, ela falou que a Michelli nunca deu um presente para ela. A minha mãe achou que ela tava com raiva dela. (risos)
[Michelli] É muito difícil presentear aquela mulher porque ela faz muitas coisas. Quando chega na casa dela, ela apresenta tudo que ela fez. Não tem o que dar pra ela! (risos)
[Giselle] Ela só não constroi casa, mas de resto. (risos)
[Michelli] A minha família é mais complicada. A maior parte é de igreja evangélica tradicional. Então, tem essa restrição maior. A minha mãe custou muito para aceitar e hoje em dia, não é algo que ela se orgulha, mas ela nunca tratou mal.
[Giselle] Ela não aceitava no começo, mas nunca me tratou mal.
[Michelli] Mas a gente quase nunca vai lá para casa, eu que venho sempre pra cá. Eu moro embaixo, minha mãe mora em cima. Então, quando a gente vai para lá, minha mãe sempre leva uma coisinha pra gente comer e tal. (risos)
[Giselle] Para ir puxando o saco, mas do jeito dela. Lá, não é uma família que a gente chega e tá todo mundo brincando e zuando. Ela é mais reservada, é o jeito dela, mas ela nunca me tratou mal. Até porque, eu acho que a mãe dela viu que não ia ter jeito. (risos) A Michelli ainda morava com ela, então, ela ainda achava que tinha domínio sobre alguma coisa. Hoje em dia, a Michelli não mora mais com ela, por mais que more uma embaixo da outra. Mas a mãe dela é muito engraçada. Às vezes, quando eu vou pra lá, a mãe dela toda hora vai lá perguntar alguma coisa e fica conversando.
E você sempre namorou mulheres, ou foi algo que aconteceu mais tarde?
[Giselle] Foi mais tarde, acho que com 27 anos. Eu era casada no papel e tinha acabado de me separar. Aí eu conheci uma menina e a gente ficou quase 4 anos juntas.
E como é essa relação com o seu filho, essa convivência?
[Giselle] Eu nunca cheguei pra ele e falei. Até porque, eu já morei com duas mulheres e, por isso, foi indo, sem precisar daquela coisa formal. E ele já sabe, ele entende.
[Julia] Isso é muito comum: mulheres que tem um relacionamento hétero se separarem, com filho, e terem relacionamento com outras mulheres.
[Giselle] Acontece, ainda mais por eu ter demorado tanto pra poder me libertar. A gente se prende muito por causa da família, até porque, a gente não sabe qual vai ser a reação deles e a da minha mãe foi a melhor possível. Eu sempre fui muito namoradeira, então, todo mundo ficou surpreso. A reação da minha mãe foi muito engraçada, era aquela coisa de Facebook, aí eu coloquei que tava em um relacionamento sério. Pra ninguém ver e falar pra ela antes, eu liguei pra ela do trabalho e falei: “Mãe, olha só, eu tenho que te contar um negócio”. Ela falou: “O que foi?” e eu falei: “Olha, tô namorando uma mulher!” Ela falou: “O que?! Ah, tá bom, minha filha. Mas me fala aí, como que é? Sempre tive curiosidade de saber.” (risos) Eu liguei porque sabe como é, pô. Podia chegar no ouvido dela de uma forma mais distorcida, então, eu liguei pra ela na hora.
Michelli, como foi falar pra sua mãe?
[Michelli] Na verdade, eu não falei. Minha mãe descobriu uma cartinha que uma namorada tinha mandado pra mim e veio me questionar. E aí, eu falei que sim, e foi um chororô, mas com aquele discurso de sempre de “continuo te amando, tenho medo” e tal. Teve uma época que ela tentou me prender, eu tinha 18 anos. A minha mãe sempre foi muito protetora.
[Giselle] Mas você sempre foi da igreja também.
[Michelli] Então, também foi um conflito, pra mim, no processo de me descobrir. Você cresce acreditando, ouvindo que tudo é errado. E aí, você passa por um conflito interno e um conflito externo com a sua mãe, que também tem essa visão. Mas, com o tempo, ela foi aprendendo a lidar, porque eu não ia deixar de ser. E, hoje, a gente se dá bem.
[Giselle] Mas foi mais complicado, né? Há pouco tempo que ela tá mais tranquila.
[Michelli] Nos primeiros anos foi bem difícil porque ela tentava me prender. Eu falava que ia sair pra encontrar com a minha namorada na época e ela não queria deixar eu sair. Mesmo com 18 anos.
[Giselle] Já trabalhava, já fazia as coisas dela.
[Julia] Agora, tem, cada vez mais, novelas e coisas sobre, mas ainda é muito comum isso acontecer.
[Giselle] O assunto é mais abordado.
[Julia] É menos tabu.
[Giselle] Acho que é por isso que eu demorei tanto, também. Era o medo da reação, porque não tinha essa coisa que tem hoje em dia. Hoje, eu vou lá pra minha mãe e todo mundo pergunta: “Cadê a Michelli?”. Minha mãe pergunta: “Vocês não terminaram não, né?” (risos) Porque eu não falo muita coisa pra minha mãe, eu sou muito na minha e resolvo meus problemas.
Você acha que, se quando você era adolescente, fosse como é hoje em dia, você teria pensado nisso antes? Você chegou a pensar ou teve vontade, mas travou?
[Giselle] Ah, tinha uns pensamentos diferentes, né? Mas eu bloqueava e deixava passar. Aí, virava piriguete e disfarçava pra todo mundo. (risos) Eu moro sozinha desde muito nova, saí de casa com 16 anos, mas mesmo assim, se eu tivesse me assumido nessa época eu acho que minha mãe teria me dado uma coça. Quando eu me assumi, eu já morava sozinha fazia muitos anos, já tava com filho. Então, a preocupação dela era outra.
Há quanto tempo vocês estão juntas?
[Michelli] Dois anos e meio.
[Karol] Depois do Tinder, vocês já começaram a namorar ou demorou um tempo?
[Giselle] Ah, eu enrolei, né?
[Michelli] Dois anos e meio é o tempo desde a primeira vez que a gente ficou. De namoro mesmo, uns dois anos, mais ou menos.
[Giselle] Eu demorei uns 6 meses para falar pra Michelli: “Tá, vamos namorar”.
[Michelli] A gente se via todos os dias praticamente.
[Giselle] Aí, ela: “Mas você sabe que a gente já faz coisas de namorada?” Eu falava: “Eu sei, mas a gente precisa rotular isso, agora?” Porque algumas coisas viram obrigação quando você fala que é namorada e eu não tava querendo aquela obrigação de cumprir com os compromissos de namoro. Nem digo ficar com outras pessoas, mas compromissos mesmo, até de dar bom dia. (risos) Ela foi paciente, porque vinha de Realengo! (risos) Mas a gente já tava dentro de um relacionamento, só que não tinha rotulado.
E como é isso, de Estácio e Realengo?
[Michelli] Ai, muito longe. (risos)
[Giselle] Bem longe. A Michelli vem mais para cá do que eu vou pra lá. E quando a gente tava fazendo a oficina, ela ficava quase a semana inteira aqui, porque não dava pra ela vir lá de Realengo pra fazer a oficina e ir embora 10 horas da noite e ainda trabalhar.
[Michelli] E também, eu trabalho em Botafogo. Então, é bem mais perto daqui.
[Giselle] Agora, ela tem vindo mais no fim de semana, porque não tem mais esse compromisso da oficina.
[Michelli] E eu tenho meus filhos, meus gatos! (risos)
[Giselle] E ela tá com os gatos agora. Adotou dois juntos. Agora, fica reclamando dos gatos. (risos)
[Michelli] Quando ela vai pra Realengo pra passar o fim de semana lá, a gente fica em casa porque não tem muito o que fazer.
[Giselle] Eu vou pra lá quando quero descansar. Porque, lá, eu acordo tarde, é um silêncio… (risos) E ela coloca meu café, faz meu almoço. É um descanso. Lá, é muito ruim pra se deslocar, sai um pouco mais caro. Aqui no Estácio, a gente pode fazer tudo a pé. Os rolês que a gente costuma frequentar são por aqui.
[Michelli] Eu gosto muito de praia. Então, aqui, a gente tá mais perto da praia.
[Giselle] Exatamente. Na semana passada, a gente saiu de casa pra ir à praia já era uma da tarde. Pra ela chegar uma hora da tarde, teria que sair 10 ou 11 horas de Realengo.
[Michelli] Pra trabalhar eu venho de BRT. Eu pego um ônibus da minha casa até o terminal de Deodoro, onde pego o BRT até o Terminal Gentileza e ainda pego mais um ônibus. Dá duas horas ou mais. Normalmente mais, porque tem tempo de espera entre um e outro.
[Giselle] Se ela perde um ônibus, já era, chega atrasada mesmo. O trem é lotado, é complicado.
[Michelli] E o passeio da galera da Zona Oeste é shopping, rodízio… É comer no shopping à noite.
[Giselle] Aqui é diferente, eu adoro bater perna.
[Michelli] Eu não tinha muito como fazer isso (bater perna) em Realengo. Ela (Giselle) trabalhava lá na Av. Rio Branco, no Centro, e vinha andando, quando não vinha de bicicleta, ela adora andar. (risos)
[Giselle] Quando ela tá aqui e quer ir no shopping, eu faço de tudo pra gente não ir.
[Michelli] Nem falo mais, agora é o samba e a praia e passeios ao ar livre.
O que é importante pra vocês no relacionamento?
[Michelli] Parceria, lealdade… Essa parceria mesmo de saber que tudo que a gente gosta de fazer, a gente tem essa parceria.
[Giselle] Eu falo pra ela que ela não tem que só fazer o que eu estou com vontade de fazer. Mas a gente também não pode deixar de ir, se gosta.
[Michelli] A gente funciona bem assim, se ela não quiser fazer alguma coisa, ela vai falar, obviamente.
[Giselle] Eu falo, mas ela não. Eu falo: “Vamos em tal lugar?” E ela: “Tá, vamos.” Mas, eu falo: “Amor, tô perguntando se você quer ir.” (risos)
[Michelli] É que é muito difícil eu não querer fazer alguma coisa.
[Giselle] Porque a gente gosta muito das mesmas coisas.
[Julia] Você, por ser mais velha, já passou por outros relacionamentos que te dão essa casca…
[Giselle] Eu me permito falar não para as pessoas. Mas, quando a gente não tem uma maturidade de relacionamento, de vivência mesmo, a gente acaba aceitando e fazendo coisas que a gente não quer.
[Michelli] É muito difícil eu não querer fazer alguma coisa, porque eu gosto de estar na rua. Amo pegar sol. Se eu tiver que ir na rua ou no mercado, tudo bem. A gente ama ir no mercado. (risos)
[Giselle] Gente, eu vou no mercado toda semana! (risos) Eu vou na feira, no mercado, porque eu vou lá e vejo as promoções da semana.
[Michelli] E vai em vários mercados, mó rolezão mesmo.
[Giselle] Eu gosto de ir na feira pra comprar mesmo, não é pra comer pastel, não.
[Julia] Bom, vou fazer uma pergunta que eu acho que eu já sei a resposta: Monogâmicas ou não?
[Michelli] Sim, bem monogâmicas! (risos)
Como é com o entorno, os amigos, vizinhos… Como é ser sapatão nesse entorno com as pessoas?
[Giselle] No início, teve gente que eu me distanciei. Percebi que não falaram nada, mas acharam estranho e não aceitaram bem. E vizinho, não tô nem aí.
[Michelli] Vizinho, a gente não tem cultura de interação.
[Giselle] Odeio dar confiança pra vizinho. (risos) Mas, também, não perturbo ninguém.
[Michelli] É, mas a gente vive bem, a gente anda de mão dada…
[Giselle] Aqui, eu nunca tive nenhum problema, nunca fui hostilizada por alguém por conta disso, é super de boa. Também, eu boto uma postura de braba.
No Estácio, vocês se sentem tranquilas de andar na rua?
[Michelli] Aqui mais do que na minha casa.
[Giselle] Dá pra ver a diferença. Lá, o pessoal fica olhando mesmo, como se nunca tivesse visto.
[Michelli] Aqui é uma zona mais central, também. Então, é mais comum ser mais diversificado.
[Giselle] Em Realengo, tu passa na rua e vê um monte de casa com a bandeirinha do Brasil. É muito diferente do que andar por aqui, pelo centro, onde a galera já normalizou mais. Mas, ainda tem lugares, aqui pelo centro, em que eu fico com medo também. Outro dia, a gente tava passeando de mão dada, atravessando uma rua e eu senti um negócio passando perto do meu rosto, de raspão. Parece que alguém viu a gente atravessando a rua de mãos dadas e tacou algo de dentro do ônibus pra machucar, porque se tivesse me acertado, teria machucado.
[Michelli] A gente tava saindo do mercado.
[Giselle] Sim, foi ali pela R. Mem de Sá. Antigamente, quando eu era mais nova, eu não me importava. Eu não tinha essa preocupação de ser hostilizada na rua, de alguma forma. Pra mulher, é mais fácil a gente sofrer assédio o tempo inteiro do que ser hostilizada. Quando eu era assediada, eu sempre discutia. Hoje em dia, eu já tô diminuindo.
[Julia] E às vezes o preconceito vem nesse sentido. As mulheres sofrem com a ação dita “corretiva”, né?
[Michelli] Ainda mais com o incentivo à violência que a gente viveu recentemente.
[Giselle] Acho que assédio, toda mulher sofre. Mas, acho que piora, quando estamos de casal, na rua.
[Julia] Quando tem um homem do lado, os caras vão respeitar, mas duas mulheres, pra eles, não impõem respeito.
[Giselle] A gente nem anda muito de mão dada na rua, porque eu fico com medo.
[Karol] Vocês tem uma sintonia que às vezes é num olhar que vocês se resolvem, acho isso muito fofo!
[Giselle] Eu falo pra Michelli que a gente nunca brigou porque Michelli não fala, viu? Ela não abre a boca nem pra reclamar. (risos) Eu sou mais transparente, ela não. Você não sabe quando ela tá feliz ou triste, porque é a mesma fisionomia. Se eu tiver com fome, eu vou reclamar 10 vezes que eu tô com fome! (risos)
[Michelli] É, eu evito me desgastar reclamando com relação a tudo. Ela fala: ”Tô com fome”, ok, eu já ouvi que você tá com fome, então vamos comer. Mas ela não pára de reclamar. (risos)
[Giselle] Aí, se eu for brigar com a Michelli, eu vou brigar sozinha.
[Michelli] A gente é muito de boa.
[Giselle] Às vezes, eu não falo, porque eu quero revidar com a mesma atitude que a dela, mas eu prefiro falar. (risos) Tem vezes que nem preciso falar, e só ver na minha cara que eu tô bolada. Mas, a gente nunca brigou, principalmente em relação ao ciúme. É muito difícil. A Michelli sente um ciúme, mas ela dá uma reprimida, né?
[Michelli] É, a gente conversa muito sobre isso, porque viemos de relacionamentos mais problemáticos ao longo da vida, e meu último relacionamento durou 5 anos. Então, a gente vai aprendendo a não ficar em relações tóxicas com essa bagagem, amadurecendo mesmo. Hoje, qual é a música que a gente canta?
[Giselle] É a da Raquel Reis.
[Michelli] “Esse encontro nosso é sorte grande / Me faz rir de amores que exigiam demais.”
[Giselle] Pra eu sentir ciúme, tem que ser uma coisa muito grande.
[Michelli] A gente tem um acordo que se for pra sofrer, a gente não precisa ficar junto. Então, a gente precisa que seja bom. Se não for bom, não faz sentido.
[Giselle] Mas eu sempre falei tudo pra ela, sempre fui muito clara, desde o começo.
[Michelli] Problema já basta o da vida individual. Então, pra ter um relacionamento tem que ser bom.
[Giselle] E eu falo também pra ela não deixar de fazer coisas por minha causa. Porque eu não gosto dessa sensação. Se você tiver que viajar, e eu não puder, aí você vai, porque quando você vai poder ir de novo? Vai esperar terminar pra poder curtir a vida? Sabe, que obrigação é essa de que somos um casal e precisamos estar presente em todos os lugares juntos? Não necessariamente.
[Michelli] A gente tem essa liberdade.
[Giselle] Ela foi pra balada. Eu não fui, porque não queria ir. Era balada hétero, mas tinha uma caminhoneira, lá, dando em cima dela! (risos)
[Julia] Mas isso é muito legal, ter uma relação de confiança e ao mesmo tempo não virar uma coisa de dependência, né?
[Giselle] Exatamente isso. Porque eu já tive um relacionamento em que a pessoa falava: “Mas você namora comigo, você tem que querer isso.” E não, não tem! Era uma pessoa muito mais nova também. Por exemplo: “Ah, eu quero ter filho” e eu falei: “Mas eu não quero”. E a pessoa: “Como não? A gente tá junto”, e eu falava: “Isso é um desejo seu. A gente estando junto ou não, o desejo vai continuar com você. A gente vai terminar. Você vai continuar com desejo”. Ai, não quero mais passar por isso não. Quando eu conheci Michelli, eu falei: “Não quer ter filho, não quer casar não, né?” Porque tem gente que pensa que não tem sentido estar junto sem a intenção de casar.
[Michelli] Realmente, se você tá com uma pessoa que quer ter filho e você não quer ter, é hora de conversar e ver se realmente tem que estar junto. Mas, depende do que você quer pra sua vida.
Contem um pouco sobre esse condomínio aqui.
[Giselle] O condomínio, antes, era o presídio Frei Caneca, que foi desativado. Demoliram e construíram esse condomínio. Aqui tem muitas árvores, porque tem um bloco onde moram indígenas da aldeia Maracanã. Então, eles fizeram todo o plantio pra poder dar esse ar, também. Na verdade, tudo que tá plantado aqui tem utilidade. Eu que não conheço, mas tem. Eles recebem visitas aqui, estudantes, excursões, entrevistas.
E quando você chegou, não tinha nada disso?
[Giselle] Não tinha nada, era só grama mesmo. As árvores e plantas não tinham. Eles que plantaram e, agora, tá aí.
[Camilla] Chegou, era tudo mato. (risos) E aí, tu contou também que veio da Rocinha pra cá.
[Giselle] Isso, foi em 2010. Deu uma chuva que desabou um monte de casa, muita gente morreu. Minha casa foi interditada e eu moro aqui por alocação. Eu saí de lá por conta dessa interdição da minha casa e recebemos esse apartamento por alocação.
Para vocês, qual é a especificidade do amor sapatão?
[Michelli] Eu acho que a parte da parceria, de forma genuína. Você compartilha o mesmo sentimento na raiz. Não sei, é difícil até.
[Giselle] Eu acho que a parceria e a reciprocidade também, porque você sabe o que ela sente. Então, você vai se por no lugar dela e vai entender melhor do que no relacionamento hétero.
[Michelli] É estar no mesmo lugar, entre muitas aspas, do que a outra pessoa.